terça-feira, 26 de agosto de 2008

Uma noite com o Poeta - Augustus Dorbert

A mesa encontrava-se em um abatido silêncio, não mais se escutava os roncos da conversa de bêbados aos arredores, e a tristeza da madrugada começava a assolar a face dos quatro que ali estavam. Hugo brincava lentamente com seu copo de whiskey, como se o peso da presença do demônio ao seu lado lhe custasse mais que a própria alma para ser segurado.

Juarez continuava quieto, como estivera desde o início daquele encontro, o rosto inexpressivo, sereno, as marcas mais profundas da idade vasta que possuía. Ninguém naquela mesa sabia o quanto ele havia sofrido, e nem se algum dia ele lhes contaria, mas o fato é que a presença do mesmo era incomoda, como se uma aura de poder intransponível saltasse por entre as narinas largas do espanhol.

Os outros dois, estavam quietos tal quais os outros, o alemão encarava sorrindo o jovem almofadinhas, e sorria ao vê-lo se desesperar com tal ato. Pensava em todas as formas possíveis de dor que poderia lhe causar, e isso o enchia de prazer. Ainda neste clima que fora interrompido por Augustus. O poeta havia pigarreado, como sempre fazia antes de expor sua bela voz aos demais.
Declamaria um poema agora sem qualquer problema – disse Guto, ainda que tal frase soasse sem nexo e sem qualquer fundamento – Mas julgo que estamos por demais atarefados em nosso silêncio mórbido e desgastante. Então para que entendam a essência de minha arte, vou-lhes contar a história de sua criação, a história de uma pequena paixão que tive. – Dito isso, se pôs a falar, como sempre, de forma estonteantemente bela e culta, enaltecendo cada detalhe de sua breve narrativa, como sempre, em uma estranha e infundada terceira pessoa.
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O som abafado de música eletrônica e de pés colidindo contra o chão acordava lentamente o degenerado, que parecia imerso no sono mais profundo até minutos antes. Sentia o ar gélido da noite entrando por entre as frestas da sua bela porta em mogno, um exemplar que importara da Inglaterra.
Ergueu-se lentamente, mantendo os olhos ainda fechados, como que saboreando o despertar, gozando de cada momento em que recordava dos sonhos recém devaneados, e dos muitos sonhos que teria a realizar àquela noite, sim, cada hora que passava naquela boate o enaltecia, o tornava mais confiante de si, e desta forma, o levava a realizar suas maiores insanidades, perdendo-se em cenas voluptuosas e pecaminosas.
Fazia arte atrás de arte a cada sopro, a cada suspiro de suas musas, a cada último suspiro de suas mórbidas modelos, inertes perante a figura imponente do poeta que as subjugava e trancafiava entre as emoções de servir ao bem amado. Ah! Pensou ele, que belo era o amor, o amor fajuto que aquela figura demoníaca e edênica, simultaneamente, instigava em cada ser vivente, como o veneno de uma serpente, que uma vez inoculado, não poderia ser combatido até que a cobra decidisse matar a presa definitivamente.
Trajou-se da melhor forma possível, uma camisa social branca, com golas em rufos, e extenso babado, lembrando muito uma camiseta de fraques antigos, originários dos primeiros burgueses franceses, visual que pretendia adquirir por aquela noite. Seguiu vestindo uma calça vincada, da tonalidade grafite muito escuro, que só poderia distinguir-se de preto à luz abundante, nos pés um sapato social, bico fino, lustroso, e aparentemente de verniz, devido a seu aspecto rijo. Trajou o fraque por cima de tudo, um belo modelo da mesma cor da calça. Desta feita, julgou-se quase pronto, e dirigiu-se para o espelho próximo.
E que espelho, uma formosura espanhola, o ouro mais puro extraído da América, com pequenos enlaces em fio de prata, grande suficiente para lhe englobar o corpo todo, o vidro era cristal puro e trazia em suas bordas desenhos esculpidos em baixo relevo, que ao chocar-se com a luz ambiente, causavam uma estranha sensação de furta-cor.
Optou por colocar um lenço, como costume da época, no lugar da gravata, não tinha certeza se saberia tecer o nó ainda, mas por via de qualquer indagação, preferiu tentar. Atou firmemente o lenço roxo ao pescoço, e se olhou uma vez mais na peça espanhola, sorriu para sua imagem bela e enigmática, os cabelos negros atados em um rabo-de-cavalo pouco extenso. Da barba recentemente escanhoada restava apenas o tradicional cavanhaque, os olhos azuis assemelhavam-se a bolitas lilases, tamanha a tonalidade daquelas duas esferas impressivas, os olhos mais belos da França, como já muito haviam lhe dito seus amigos e conterrâneos.
Abriu a porta do quarto, galgando os poucos passos até a escadaria que levava dos dormitórios, para o grande salão que compreendia a boate, pôs a cartola na cabeça, e apoiou-se vez que outra na bengala de madeira, com a ponta em prata, com o simbólico desenho de uma flor, a Flor Toreadora, o símbolo dos belos, dos incríveis detentores da beleza e do culto a esta, os magnatas das artes, que ele obviamente, tinha o prazer de preencher as fileiras.
Entrou teatralmente no bar do local, girando a bengala entre os dedos finos, o que lhe gerou uma dúzia de olhares curiosos, e outros tantos cheios de malícia, a maioria já o conhecia, sabia de sua verdadeira identidade, e o amava, sim eles o amavam, e amavam sua capacidade de fazê-los sentir prazer, de seus calorosos beijos em seus lábios e demais partes do corpo, sempre quentes, sempre macios, sempre cheios de amor e de tesão. Cumprimentou um ou outro com um leve aceno de cabeça e sentou-se no bar, diante de sua barwoman preferida, começou a falar sobre o movimento, enquanto ordenava um Martine em uma pequena taça, com aquelas azeitonas démodé que ele tanto odiava, mas que para o ambiente convinham.
A arte de seduzir era muito mais que aparência, era técnica, e desta ele estava cheio, cada vez mais descobria as informações pertinentes ao tipo de rebanho que ali habitava, e cada vez mais os amava. Eram todos dóceis chapados, pelo uso excessivo de alucinógenos, e sedentos por experiências novas e instigantes.
Foi logo acompanhado por uma jovem de aspecto atraente, provavelmente uma dissidente do movimento punk da década passada, ao julgar por sua aparência pseudo-rebelde e nostálgica. Os cabelos descolorados bagunçados, com uma acentuada franja encobrindo a face direita do rosto pálido e de lábios grandes e carnudos, decorados por um pequeno piercing em forma de argola no canto inferior esquerdo. As roupas eram fabulosas, e de uma aleatoriedade incrível, ainda que muito bem encaixadas, uma calça preta, colada ao corpo, exibindo as cochas torneadas e vastas, e uma camiseta listrada horizontalmente de preto e branco, que lhe exibia um quantidade ínfima de seios, porém que se encaixavam perfeitamente naquele corpo esbelto e provocativo.
Augustus virou-se para a recém chegada, não iria falar, para aqueles cordeiros alucinados palavras seriam desperdício, eles gostavam de ação, e pode perceber que muito em breve já estaria retornando ao seu quarto. Envolveu-a com uma das mãos, segurando firmes os cabelos da nuca, em uma pegada dominadora e impositiva, o poeta daria as ordens a partir de agora, e ela seria apenas uma presa acuada, estipulando como ponto limítrofe para as suas ações à vontade do abençoado.
Beijou-lhe os lábios carnudos, sentindo o gosto forte de álcool, que se misturava com o sabor doce de uma pastilha de menta, provavelmente recém ingerida. Não sentiu prazer algum naquele ato profanatório e herege, corrompendo o corpo dado pelo sagrado. Sentiu-se um monstro, e ao mesmo tempo sorriu, ao perceber que de fato era um. Ele se tratava de uma aberração da natureza, fruto da vontade do próprio Todo Poderoso, afinal não fora ele que em sua ira, cedera a Caim a chance de criar a raça noturna? Os senhores das futuras noites, que hoje se espalhavam em tal intensidade pelas terras deste mundo, que em muitos lugares as presas se tornam raras, e o “canibalismo” vampírico se torna uma lei irrefutável e assustadora?
Aquele mundo era um cobertor de sombras, e Guto sabia aproveitar a réstia de luz que conseguira alcançar, sentia-se confiante sobre a sombra da Sword of Kain, e ali tinha certeza de que jamais sofreria dos males do mundo, afinal, ele era o mundo ali dentro, e tudo nele convergia para o seu prazer inesgotável. Carregou a garota lentamente para o seu quarto, desferindo mordidas nos lábios dela, mordidas que lhe deixavam os beiços ainda mais rubros e charmosos. A pequena vagabunda não se abstinha de causar a Guto uma pitada do que julgava ser dor, arranhões intermitentes e puxões, clichês, de cabelo, um estardalhaço sem fim, quando na verdade o que Augustus queria era bem simples, bem mais fácil, e realizaria agora.
Viu a pequena retirar a blusa e exibir os pequenos seios, pontiagudos e sedentos por serem beijados, por provocarem o prazer inestimável naquele corpo tão jovem e esbelto. Ele não a deixaria só com vontades, seria um bom anfitrião, e faria com que aquela garota jamais esquecesse aquela noite, talvez porque ela fosse a última que ela iria experimentar por um longo tempo, muito mais do que poderia imaginar, isso se o Senhor tivesse piedade de sua alma pecadora e a deixasse retornar aos confins da Terra, para mais uma existência, pois aquela, acabava de chegar ao fim.
Sorriu, agora ostentando caninos muito brancos e pontiagudos, dotados de uma beleza quase etérea e provocativa, e não foi com surpresa que ouviu o comentário da já desnuda garota - Então é verdade? – disse ela, em um tom provocativo - Você de fato é um demônio tal qual meus amigos me disseram - e lambendo os lábios obscenamente disse ainda - Me disseram que é capaz de causar mais prazer que qualquer coisa, veremos se é verdade. - Guto sorriu, e deitou-se sobre a moça, beijando-a ternamente, se ela queria prazer, então o daria.
Percorreu com os lábios toda a extensão do corpo dela, lambendo e beijando cada parte daquele corpo infantil. Parou perto da região genital da garota, lambendo-lhe o clitóris, insinuando o início de um fatídico sexo oral. Ora, não era o que era por dar mesuras e por provocar sensações medíocres a seus eternos súditos, aquela mulher iria provar da mais intensa sensação de prazer e iria ser tomada pelos calafrios do orgasmo, junto aos que acompanham a inesperada morte. Mordeu os lábios de sua vagina, sentindo o sangue jorrar em sua boca, o beijo mais ávido de um imortal estava sendo desferido, e a vítima gemia em um orgasmo insano, era impressionante como tal ato gerasse um prazer tão intenso em quem estava fadado a morrer.
Sorriu, sugando sangue e os mais diversos líquidos expelidos pelo orgasmo fulminante da moça, sentiu as pernas dela tremerem, e a respiração tornar-se cada vez mais esparsa. Não, tais efeitos não eram decorrentes do orgasmo, mas sim pela vida que aos poucos deixava aquele belo corpo, esperou que ela morresse antes de desgrudar os lábios de sua vagina, limpando-os obscenamente - Agora sentiu o prazer minha cara, é minha vez de desfrutar dos prazeres mais puros.
Retirou o pouco de roupa que ainda tinha e debruçou-se sobre o corpo morto da jovem, fez sexo em todos os meios possíveis, satisfazendo seus desejos mais internos, ainda que não tivesse vida, ainda sentia necessidade de tais atos. Gozava vez por vez, aproveitando o máximo o momento, de sua eterna noiva, a beleza, que não necessariamente, precisava estar viva. Ela era muito mais bela quando imóvel. A morbidez lhe provocava a ânsia de escrever, e o instigava a beleza. Ainda nu recorreu de um lápis e um pedaço de papel, e começou a escrever.
Assim que terminou, olhou para a sua amada, ainda na posição que a deixara, e como poderia estar diferente? Declamou o poema, a sua recente obra, esculpida apenas para o mármore daquela pele branca e perene, que em breve seria entregue aos maldizeres dos vermes:


Se tiver de me perder na profundeza dos teus olhos,
Que também morra serpenteado por teus braços,
Quero em beijos, cada verso de meu epitáfio
E em suspiros de saudade, que nosso amor se perpetue


Tomou fôlego ao fim da primeira estrofe, e seguiu para a segunda:


E se tiver de viver ladeado por teus sonhos,
Quero encontrar em cada passo o teu rosto,
Ao fim de cada traço, o sabor ameno de teu lábio,
Ao fim de cada estrofe, a liberdade de te amar.


Olhou para o defunto a sua frente, como que esperasse um sorriso de sua parte, como não vira nada, assim prosseguiu:


Gozar da vida que me espera junto ao teu colo,
Apaziguando minhas lamúrias em teu semblante
Curtindo em silêncio cada gesto de teus dedos,
Ouvindo com amor, o som profano de tua boca.


E rumando para o desfecho ímpar de sua obra, saudou os ouvidos de sua amada com mais quatro e belos versos:


Viver ainda preso ao teu seio fátuo e morno,
Lamentando não o ter por casa desde cedo,
Sorrindo morno a cada passo que daremos,
Uivando triste, quando por fim acabaremos.



Terminou o poema com um sorriso morno nos lábios, olhou para o corpo da amada desfalecida, e assimilou a verdade dolorida, ela morrera em seus braços, e não a teria mais, e com esse abatimento injustificado ele se deitou, agarrado ao corpo do defunto e ainda nu, dormiu, tendo os mais magníficos sonhos com sua amada.

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Não se sabia por quais motivos, mas o espanhol ria como se acabasse de ouvir a melhor das histórias de sua vida. Não poderia ser mais gritante a diferença de tal expressão para a dos demais componentes do grupo. Kirl apenas sorria, imaginando com pureza aquela cena única, e imaginou-se no lugar do poeta. Não a teria matado, ele a teria tornado bela, e depois a teria torturado, e então a conduziria para a horripilante feiúra. Aquilo sim seria um agradável jogo.

Já o jovem britânico parecia pasmo, sua recente chegada àquele circo de horrores ainda o impedia de assimilar certos atos, certas condutas, e a cada história que ouvia daqueles três homens a sua frente, mais queria sair dali. Não possuía muito que contar, e tudo que contara até agora, fora levado com desprezo, talvez exceto pelo poeta francês, que lhe parecia a mais agradável companhia, dentre todos os ali presentes.

O circo continuava, as idéias se degladiavam entre si, e a sinfonia dos horrores se perpetuava pelos ouvidos dos bêbados próximos. Guto olhou esperançoso aos demais colegas, de quem seria a próxima história?


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Leu? Gostou? Não? Por favor, deixe uma crítica, positiva ou negativo, quanto ao que acabaste de ler, grato!

Novo Blog, mais histórias.

Bom, já criei dois blogs com intuito de promover meus poemas, esse, apesar de diferir um pouco no âmbito literário, segue a mesma linha dos demais. Aqui vou apresentar-lhes contos de minha autoria, por vezes, de autorias de amigos, com uma mesma proposta, usar nossos personagens de RPG para criar contos e histórias intrigantes, mostrando o sofrimento, a luta e a beleza em se viver como um degenerado num mundo corrompido.

A idéia é antiga, e espero que desta vez tenha resultados. Para evitar que fiquem entediantes, ou ainda, monótonos, os contos serão publicados, quando muito extensos, em partes, para assim instigar a leitura, e não cansá-los.

Cabe a mim, em breves linhas, explicar o que são, e do que são feitos, os personagens que em breve estarão inundando suas mentes. Em geral, serão vampiros, não as aberrações as quais você está acostumado, mas sim pessoas normais, que amaldiçoadas por outros Vampiros, acabam tendo de viver a frieza das noites, alimentando-se de outros de sua antiga raça, sem ter escapatória.

Os contos, todos, vão girar em relação a esta briga Humanidade X Bestialidade, conflito que vai assolar o peito dos personagens de forma a que eles recorram a seguinte indagação, vale a pena a imortalidade, aliada a monstruosidade? E desta forma, terão de se decidir entre permanecerem moralmente corretos, ou então, corromperem-se, a ponto de se tornarem caçadores e predadores noturnos, no maior estilo Hollywoodiano, no entanto, sem seus tantos clichês.

Bom, espero que a idéia lhes agrade, e em breve, espero que seus olhos fiquem repletos pelas histórias dos 5 personagens que já foram associados a esta idéia, sendo eles:

Augustus Dorbert
Dominique Ferrón
Hugo Desklok
Kirl Scork
Juarez Mendes

Todos corrompidos, todos monstros insaciáveis, todos girando na incógnita entre sobreviver, ou morrer por sua já destruída moral!

Bem vindos, à Histórias da Noite!